“Hiato substantivo masculino
1. anatomia geral
fenda ou abertura no corpo humano.
2. figurado (sentido)• figuradamente solução ou interrupção de continuidade em um corpo, em uma série etc.; falta, intervalo, lacuna”
Eu queria comer pão.
Talvez iniciar um texto assim possa ser uma completa falta de senso. Afinal, qual pessoa que atualmente está presa dentro de casa não deseja comer pão? Sei que não sou o único, mas apenas queria que você soubesse.
Desde que mudei de lugar, desde que abandonei as plantinhas na minha quitinete alugada para morar de favor na casa de uma família que me estendeu a mão, me sinto vazio.
É como se cada pedaço do mundo que criei, perecesse. Sinto como se cada pano passado, cada pó tirado, prato ou talher lavado, fizesse parte de uma paisagem estática a qual eu gostaria de voltar.
Sinto saudade de quando eu era dono de mim, e podia chamar o meu quarto de lar.
Se te dou uma orientação, essa vai de graça, cuida bem do que é teu, criança, pois a vida passa.
Não se permita escravizar, não se permita desorientar. Luta e persegue o que acha que é certo. Esse mundo é louco, ninguém sabe o que procura e quando acha não está correto.
Longe de toda lágrima que derramou sobre esse papel onde escrevo, digo que nesse ano em que sumi, não sei se cresci. Continuo vestindo o velho “G”. Calças 48 e blusas “GG” (são mais confortáveis que as “HH”, certamente). Que bom que o meu péssimo senso de humor ainda não me deu adeus!
Inicialmente posso dizer que, fatalmente, fui privilegiado.
Começou a andar pelo mundo um tal de Covid-19 (vírus) — se leu outros textos contemporâneos a esse já sabe do que se trata — que praticamente dizima o quem toca. Ah! Esqueci de falar! Não podemos mais nos tocar, nos aglomerar, e agora usamos máscaras para onde quer que possamos ir. Ao menos essa é a recomendação do Ministério da saúde.
Os tempos são outros, eu diria.
Lá atrás, quando iniciei a narração sobre o meu quarto de guerrilha, nunca imaginei que a guerra verdadeira estaria lá fora. O que era minha prisão tornou-se um refúgio. Cômico não?
Fora do meu quarto, o país onde moro (Brasil) já conta com a margem expressiva de 195.411 pessoas que já fecharam seus olhos para esta Terra e abriram na eternidade.
Pode parecer crueldade, mas vamos acreditar, nem que seja por um momento, que para tudo isso tem um plano Divino, cósmico ou somente que, de alguma forma, vamos conseguir nos adaptar.
O mundo mudou meus amados.
Espero que a outra carta chegue também a vocês. É um sinal de que ainda estamos aqui.
Feliz 2021
Obs.1: Carta escrita no ponto mais baixo da minha vida. Morando de favor em um lugar onde não queria, sendo explorado absurdamente dentro do trabalho e passando por uma pandemia)
Obs.2: Nessa fase da pandemia ainda não sabíamos que o motivo do agravamento e do quantitativo absurdo de mortes, estava sendo causado por uma péssima gestão pública dentro de um governo fascista e negacionista.
Mas felizmente como diria o saudoso e falecido Nelson Ned (Deus o tenha):
“MAS TUDO PASSA! TUDO PASSARÁ!”
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Leonardo Dutra