Esta é a Carta 6 de uma série de correspondências entre escritores que chamamos carinhosamente de Trocando Farpas: Impérios Sagrados escreveu a Carta 1. Fabio Pires escreveu a carta 2 e escreverá a 8. O Inominável Ser escreveu a carta 3 e escreverá a 9. O Samir Cooper escreveu a carta 4 e escreverá a 10. O Ruan Giollo Brugnerotto escreveu a carta 5 e escreverá a 11. E euzinho (Leonardo E Dutra) escrevo a carta 6 e também a 12.
Qual a periodicidade dos posts das cartas? A cada 4 dias!
A pergunta que não quer calar é: Pode a literatura falar de política sem se sujar?
Os links serão adicionados à medida que as cartas forem publicadas:
Oi, pessoa! Tudo bem com você? Cristian, Fabio, Giovani, Samir e Ruan, haviam avisado que você viria hoje. Senta aí!
Já é fim de tarde, e estou na mesa da cozinha tomando um café quentinho e comendo um pão que comprei agora pouco no mercado. Sabe aqueles pães cascudos, que solta pedaço para todo lado, e se a gente não tomar cuidado corta a boca toda? Estou aqui com as mãos sujas de farelo e tentando não melecar tanto essa carta. E é engraçado isso que...
Você está com pressa?
Calma que a gente já vai dar um pulinho ali, só preciso te contar algo. É engraçado como quando somos crianças não temos medo de rolarmos no chão, mancharmos a roupa e borrarmos a cara. Enfim, não temos medo de nos sujarmos. Mas porque quando crescemos, ganhamos esse medo “infantil” que a criança não tem? Sei lá! Quando o Messias disse que (Não! Não é o senhor Messias que vende quitute na barraquinha da feira não. É o Jesus mesmo! ) quem não for como uma criança não entrará no reino dos céus, vai que ele estava falando sobre perder esse medo todo? Por isso tem tanta gente no inferno! Interprete “inferno” como quiser!
Alguns se sujam com farelo de pão, outros com a farinha de trigo – que é mais complicado, porque quando bate água empelota tudo - outros se sujam com lama, e tem gente que se suja com sangue. Complicado! Bem, de qualquer forma, já estou com meu cafezinho. Escolha sua bebida que eu já chamei o Uber. Vamos dar um pulinho ali em Inhaúma, na zona norte do Rio de Janeiro.
ANDERSON PEDRO GOMES (O MOTORISTA)
Marido de Agatha Arnaus, torcedor do Flamengo, no auge da sua plenitude física, aos 39 anos, foi alvo em um duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima), em 14 de março de 2018, enquanto dirigia o carro com a Vereadora Marielle Franco (PSOL) levando-a de uma reunião na Lapa, para sua casa, na Tijuca. Em um apagamento midiático e político, sendo chamado muitas vezes como “O motorista da vereadora” quase não teve seu nome lembrando, senão pelos seus amigos íntimos e familiares. Deixou uma esposa, que atualmente está se relacionando novamente, e um filho que nasceu com algumas complicações de saúde que o pai nem chegou a conhecer. Na noite do crime estava fazendo um “bico” substituindo um amigo. Como estava desempregado aquela era a oportunidade de levar o sustendo para dentro de casa.
O assassino?
Ronnie Lessa. Ex-policial militar do estado do Rio de Janeiro. Se você não esteve em coma ou escondido em uma caverna nos últimos 6 anos, com certeza conhece esse caso. Porém o que pode ter faltado eram os dados sobre o motorista. Ele tinha nome, tinha uma esposa, tinha desejo, tinha vontade, meta, família, amigos e objetivo. Ele morreu porque exatamente naquele dia, o seu partido político era a fome e o desemprego. Precisava levar o sustento para o filho pequeno e sua esposa, que o esperava em casa.
Triste, não é? O que você acha disso? O que te causou? O que despertou? Anote em um papel, pesquise mais sobre o caso. Na sociedade ninguém anda desgarrado! Não ache que não pode acontecer com você também. Com certeza, você pode ser o Anderson de alguém.
Essa hora o seu café ou chá já deve ter esfriado, entretanto queria te fazer um convite: Vamos descer mais um pouco? Pegue seu chinelo, tênis ou sua rasteirinha e vamos dar um pulinho ali na Rua José Mendonça, no Parque Riviera, Monte Alegre, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, mais precisamente em Cabo Frio, onde uma travesti, vítima de transfobia, foi morta a tijoladas em 2022. Deixa-me pensar. Melhor não! No site do G1 falaram que cena não foi nada bonita.
Então, vamos dar um pulo em Teresina- PI Espero que você não tenha comido nada, porque tem que ter estômago forte também.
PALOMA DA SILVA (TRAVESTI)
A travesti de 34 anos, foi assassinada a pauladas no dia 10 de dezembro de 2023, após ter sido agredida na frente de policiais em Teresina-PI. Esta é a terceira vítima de transfobia registrada em apenas três meses na capital, informou Marinalva Santana, do grupo Matizes que é uma entidade de apoio a comunidade LGBTQIAPN+.
Mais uma que virou estatística porque as políticas públicas não funcionam como deveriam. Talvez porque não gera dancinha no TikTok, não gera monetização ou o famoso engajamento. No máximo, e com muita sorte, uma matéria pequena soterrada em um site local, para não passar desapercebido.
Embora quase ninguém, e provavelmente você também não saiba quem era Paloma da Silva, com certeza sabe quem é o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) que se tornou réu em 2023 em uma denúncia feita no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no caso envolvendo a publicação de um vídeo de uma adolescente trans utilizando o banheiro feminino de uma escola particular de Belo Horizonte.
E se dependermos de representantes como esse, outras palomas vão morrer!
Mas vamos sair deste cenário de horror, usando o recurso de cenário (adoro cartas por isso!), e nos sentarmos nesse banquinho da praça, porque que minhas pernas já estão doendo de tanto andar.
O nome dessa praça? Praça da Candelária. O dia? 23 de julho de 1993.
Só tem que tomar cuidado para que nenhum desses trombadinhas (não é assim que chamam crianças negligenciadas pelas políticas públicas por aqui?) te assalte. A coisa aqui no Rio de Janeiro sempre foi bem complicada.
Em um estudo chamado “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil” , realizado pela UNICEF com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) foi constatado que 48,5% das crianças e adolescentes do Rio de Janeiro vivem na pobreza. Os dados são de 2016 até 2022.
Pessimista, eu? Jamais! Apenas estou mostrando a nossa sociedade. E nesse capital social, você entrou com quanto? Ou com o quê?
Para Aristóteles a política em essência estava ligada a moral, com o objetivo do bem viver da coletividade na pólis. Mas será que estamos realmente preocupados com a coletividade, ou somente com a coletividade que nos importa?
Na sociedade atual somos convidados a alienação pelo excesso de informação sem filtro, propositalmente colocado a nossa disposição para tomarmos as piores decisões possíveis. Educados em um sistema fabril para sermos meros reprodutores de ideias. Muitos de nós, aqueles que se encaixam, são conduzidos as empresas onde são obrigados a executar sem questionar. E nessa confirmação do adestramento, perde-se a voz, a motivação, a opinião.
Segundas-feiras são chatas e sextas-feiras são dias de libertação.
E qual pessoa que pegou duas conduções, ou passou 3 horas em um trânsito infernal, chega ao final do dia querendo abraçar um livro ou discutir política? Essa é a sociedade atual. Vai mudar? Não sabemos.
Veja, essa mesma pessoa que está chegando em casa cansada todos os dias, e sendo amassada pelo sistema, possivelmente não tem condições de ter acesso a uma informação de qualidade. E se tem esse acesso, não tem força cognitiva para fazê-lo. Posso culpá-la? Posso culpá-lo? Não! Eu também me alieno nos reels e shorts!
E O QUE EU POSSO FAZER?
É preciso trazer essas pessoas de volta ao jogo político. Instigar a participação usando da tecnologia atual fazendo conexões entre a realidade onde vivem e o que está acontecendo no mundo, mostrar que possuem voz, que queremos ouvir, que tem opinião e que ela importa. Importa muito!
Não podemos criar mais um debate intelectualizado e acadêmico em volta de um assunto tão sério e provocar mais descolamento da realidade. Já temos exemplos mil aqui, vide STF e ABL. Vamos um exercício prático?
1. Cite os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
2. Falando sobre Academia Brasileira de Letras, tirando Paulo Coelho, puxe pela memória 10 autores atuais que você conhece, e suas respectivas obras.
Já leu algum? Está vendo! Há um descolamento entre a realidade fática e a teoria. Assim é impraticável a preocupação com a pólis – vide os números de mortes na Pandemia e as festas clandestinas. Assim é impossível um debate verdadeiro – vide Boulos e Marçal no último debate para candidatura à prefeitura de São Paulo. Assim é impossível ter uma sociedade não negacionista – vide o seu grupo de família no zap, com aquela tia que acreditava que o remédio para Covid era fazer jejum, oração e juntar alguns ingredientes na cozinha.
Eu poderia trazer nessa carta alguns pensadores, e tentar espremer o meu cérebro para fazer um exercício de pensamento estratosférico - como se eu tivesse condições dado ao volume de trabalho - e criar mais um artigo acadêmico. Mas o que eu faço, meu leitor e minha leitura, meu leitori, é tentar fazer da literatura um instrumento simples de fatos que ocorrem no país, na Polis, de forma que possamos além de debater, nos posicionar como sócios, nessa sociedade que temos, e criamos a postura de quem cobra, de quem exige, de quem está informado, e principalmente a postura de quem faz! Aliás, não adianta criticar bilionários em submarinos que explodem, em iates que desaparecem, e fazer nada com o pouco que você tem.
“A viúva foi a que mais ofertou porque ela não deu o que lhe sobrara, mas a única coisa que tinha.” (Marcos 12:41)
“A farinha é pouco, meu pirão primeiro!” (Sociedade 2024)
Agora vamos nos levantar e voltar a casa, lavar esses copos e tomar um banho daqueles, já nos sujamos demais! E como diria um conhecido de Fortaleza-CE: “Eu só trisquei na pontinha da lama”.
Objetivo um tempo onde pessoas, mesmo sem muita instrução, possam ler cartas como essas que foram escritas, em uma linguagem tão acessível que falarão:
- Puta que pariu! Agora eu entendo o que esse céu bonito e vermelho que eu vejo no fim da tarde não é o que o Senhor - meu Deus - que preparou para mim. É um fenômeno que está sendo provocado pelos altos índices de poluição. Onde os grileiros que estão sendo financiados pelo Agro para fazer a temporada Recorde de queimadas na Amazônia (dados de 21/08/2024) também tem participação;
Por que eu falei “objetivo um tempo” ao invés de sonho com um tempo? Sabe… já sonhei demais! Os meus sonhos estão nos artigos acadêmicos, nos meus textos nas redes sociais, nos muros do tempo que já passou. Agora eu quero é ver acontecer!
Espero que leve essa carta com você para onde for, mas cuidado, ela te pode sujar. Até a próxima e bom banho!
Moldando fatores e fatos reais em uma linha de pensamento, sua carta lembra um Relato Jornalístico. Relato este composto pela reunião de brutalidades que, sim, possuem um fortíssimo tom político. Nossos Papéis como Autores é exatamente esse de dissecar e levar ao público que nos lê o modo como interpretamos tais injustiças e cada tipo de sujeira advinda do campo político das ideias. Frutos de novas visões podem nascer junto com a necessidade de separar as frutas podres que caíram em redor de nossos pensamentos elaborando visões acerca da situação de algo. Uma carta muito dura de se ler e que bem poderia dialogar com as massas da população brasileira.
Mas nesse caso, não se reduz a literatura somente a um campo jornalístico? Ou podemos escrever algo para além do nosso cotidiano dilacerado pelos absurdos políticos?
Pode ser escrito algo muito além, exatamente propondo visões que possam atingir o âmago de certas situações espinhosas demais e das quais muitos Jornalistas fogem.
Leonardo, sua carta é uma reflexão acessível sobre a intersecção entre política e literatura. Falar de feridas como a tiazinha do zap que acreditava nas mentiras de grupo de Whatsapp, prende o leitor muito bem. Levarei a carta com cuidado sim, thanks
Moldando fatores e fatos reais em uma linha de pensamento, sua carta lembra um Relato Jornalístico. Relato este composto pela reunião de brutalidades que, sim, possuem um fortíssimo tom político. Nossos Papéis como Autores é exatamente esse de dissecar e levar ao público que nos lê o modo como interpretamos tais injustiças e cada tipo de sujeira advinda do campo político das ideias. Frutos de novas visões podem nascer junto com a necessidade de separar as frutas podres que caíram em redor de nossos pensamentos elaborando visões acerca da situação de algo. Uma carta muito dura de se ler e que bem poderia dialogar com as massas da população brasileira.
Mas nesse caso, não se reduz a literatura somente a um campo jornalístico? Ou podemos escrever algo para além do nosso cotidiano dilacerado pelos absurdos políticos?
Pode ser escrito algo muito além, exatamente propondo visões que possam atingir o âmago de certas situações espinhosas demais e das quais muitos Jornalistas fogem.
Reflexão necessária e atual. Além das farpas que voaram para todos os lados, também voou esperança. Excelente!
Leonardo, sua carta é uma reflexão acessível sobre a intersecção entre política e literatura. Falar de feridas como a tiazinha do zap que acreditava nas mentiras de grupo de Whatsapp, prende o leitor muito bem. Levarei a carta com cuidado sim, thanks